DEPENDÊNCIA Química
Refém de um Ciclo que Promete Alívio, Mas Entrega Dor
Refém de um Ciclo que Promete Alívio, Mas Entrega Dor
Na dependência química, a vontade própria parece perder espaço. E aquilo que um dia começou como escolha, ou como um escape, se transforma em prisão.
Imagine viver em um ciclo onde cada decisão parece já ter sido tomada por outra força. Onde o corpo pede, exige, e a mente, exausta, obedece.
A dependência química não é uma questão de falta de força de vontade ou caráter, mas sim uma doença neurobiológica crônica, que afeta os circuitos cerebrais responsáveis pelo controle dos impulsos, tomada de decisões e regulação do prazer.
O sistema de recompensa do cérebro é sequestrado, fazendo com que a busca pela substância se torne uma prioridade quase incontrolável, mesmo diante de perdas, sofrimentos e riscos.
Muitas pessoas descrevem a dependência como estar em uma montanha-russa desgovernada: momentos de euforia rápida seguidos por quedas devastadoras. E quanto mais se tenta frear, mais difícil parece retomar o controle.
Além dos impactos emocionais, a dependência compromete relações pessoais, a saúde física, a vida profissional e afasta a pessoa de si mesma. Mas há esperança!
Hoje sabemos que tratar a dependência vai muito além de simplesmente interromper o uso da substância.
É preciso cuidar do cérebro, reequilibrar seus circuitos e fortalecer a autonomia do indivíduo.
estimulação magnética transcraniana
Os avanços da neurociência têm permitido uma compreensão mais precisa sobre como transtornos neuropsiquiátricos, como a Dependência Química, emergem de disfunções em circuitos cerebrais específicos.
Por muito tempo, a superação da dependência foi atribuída apenas à força de vontade e a estratégias comportamentais. Hoje, sabemos que a adoção de abordagens que modulam diretamente as redes neurais envolvidas no controle dos impulsos, da tomada de decisão e da regulação emocional é fundamental para o sucesso terapêutico.
A Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) é uma das principais técnicas de neuromodulação não invasiva com evidência robusta no tratamento de condições como depressão resistente e, mais recentemente, no apoio à recuperação de pacientes com dependência química.
A EMT atua promovendo plasticidade sináptica e modulando a atividade de circuitos cerebrais comprometidos, reestabelecendo o equilíbrio funcional entre redes responsáveis por comportamento de
aproximação (motivação e recompensa) e redes de evitação (não-recompensa e aversão).
Como a EMT Modula Circuitos Associados à Dependência Química
A dependência química não se limita a um padrão de comportamento compulsivo. Trata-se de uma alteração neuroadaptativa crônica que envolve, principalmente, a rede de saliência, a rede de motivação e recompensa (circuito dopaminérgico mesolímbico) e a rede de não-recompensa, vinculada à percepção de fracasso e frustração.
- Rede de Motivação e Recompensa: Envolve estruturas como o núcleo accumbens, a área tegmental ventral e regiões do córtex pré-frontal medial. Sua hiperativação contribui para o reforço do comportamento de busca pela substância, mesmo quando os prejuízos se tornam evidentes.
- Rede de Não-Recompensa: Inclui estruturas como a amígdala e o córtex orbitofrontal lateral, que participam de processos de aversão e evitação. Em pacientes com dependência, essa rede pode estar hipo ou hiperfuncionante, influenciando estados emocionais negativos e alimentando ciclos de recaída.
A EMT aplicada sobre o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (DLPFC) tem demonstrado modular essas redes, promovendo maior controle cognitivo sobre impulsos automáticos, melhorando a autorregulação emocional e facilitando o desenvolvimento de novos padrões de tomada de decisão. Fortalecer a atividade dessa região pode interromper padrões automáticos de busca pela substância, restaurando a capacidade do indivíduo de avaliar cenários de forma equilibrada, sem que a resposta emocional negativa ou o desejo compulsivo assumam o controle imediato da ação.
Reprogramando Redes Disfuncionais
O modelo proposto por Edmund Rolls, que descreve o desequilíbrio entre os circuitos de valência positiva e negativa, explica por que muitos pacientes recaem, mesmo após períodos de abstinência.
A EMT, ao promover a neuroplasticidade e reestruturar os circuitos cortico-límbicos, pode reduzir a hiperatividade das redes de valência negativa, comumente associadas à ruminação, desesperança e recaída.
Além disso, a estimulação repetitiva do DLPFC potencializa a integração das redes de controle cognitivo, aumentando a capacidade de inibir respostas impulsivas, característica crítica no manejo da dependência química.